segunda-feira, maio 21, 2007

Meu desenraizamento crônico

Não tenho lido letrinhas que me emocionam.
Não.
Li essa semana, descordando da sentença primeira, algo que me emocionou. Chorei, silenciosamente, cabeça curvada e mãos juntas, Cortazar recomendou que assim fosse.

Era um livro grande, páginas grandes e ilustrações grandes. A folha lâmina espessa, chorei ao atingir o corte número 23, prelúdio 1 - O nascimento de duas bonecas.
Era só a primeira lágrima.

Essas letras que me deixaram confusas, no meio da aula, foram escritas e olhadas por Luiz Eduardo R. Achutti. É a tese, em português, que fora apresentada em algum lugar da França, que não faz diferença, pois não me emocionaria mais se soubesse. São fotos e textos, nessa ordem.

Chorei quando vi a catadora de lixo encontrando uma boneca, testando para ver se funcionava, um ser grande e os olhos brilhando por ter encontrado uma boneca.

Já na página 37, prelude 2 - Dona Emilie morreu - chorei até meu cérebro processar as últimas sílabas lidas...

"Ir viver em uma outra cidade significa sentir novos odores, adaptar-se a uma alimentação diferente, aprender a apreciar sabores desconhecidos, sentir mais ou menos frio, habitar-se a novos ruídos, redefinir a distância física em relação às outras pessoas, caminhar em outro ritmo e, sobretudo, mudar sua maneira de olhar o mundo, a duração desse olhar, sua direção, profundidade e passar a ser olhado diferentemente" (p. 38)

É um relato, simples e denso, de alguém que deixou seu país e foi estudar em outras paragens...
O estranhamento, essencial na profissão que escolhemos...

Mas eu chorei, chorei, ao lembrar do que deixei e do que já vivi nos pampas gaúchos. São outras ruas e geografias a serem decifradas, outros comportamentos, outra estética, outra arquitetura. Como adaptar-se a isso? Não sei, mas eu estranho...

Eu, estranha, nessa terra que não é minha, com um sotaque que não é familiar para quem mora aqui, com hábitos alimentares diferentes e muita, muita saudade estranha - pois não sabia que existia em mim.

E minhas lágrimas caíam quando li que o autor, um estranho desse lugar, fora a casa de uma operária francesa, que morrera a tantos anos que não importam aqui... A casa de d. Emilie estava praticamente intacta desde sua morte... Tudo estava lá... Apenas a poeira intrusa havia se apossado do que um dia fora habitado. São esses minúsculos grãos, que me fazem espirrar, os verdadeiros donos de tudo que deixamos. A poeira e todos os vermes malditos que se encarregam de destruir.

"O que significa a vida, se após nossa morte, ninguém vem ao menos guardar nossas cartas?" (p. 40)

A D. Emilie, apesar de morta, estava descrita nas cartas e postais que restaram... Novamente as letrinhas que fazem emocionar também reconstróem outras histórias, por vezes não-faladas, outras susurradas, algumas cantadas.

Não conheci D. Emilie, só vi o que restou...
Penso o que restaria de mim? Uns livros, algumas dedicatórias, algumas cartas e emails... Uns sapatos 34 e nada mais. A poeira e os vermes que finalmente venceram no tempo.

Meu desenraizamento crônico me faz pensar.

7 comentários:

Anônimo disse...

Poxa janoca,meu post só pra dizer que tu é estranha e que é bom que seja assim...e que eu quero saber mais do que tu estuda...bjs encantados.

Anônimo disse...

Ô Jana o calor aqui é terrivel...

29 disse...

Que história é essa Jana ?...tu é muito teimosa...menina...
te cuida bjs

Anônimo disse...

:) Nunca vi descrição tão linda para "saudade", mas nõ pense que seja estranha por querer bem (e perto) entes queridos, pois é sinal de cuidar e cuidado, de gostar...
Amo-te, independente de distância, novos sabores, sotaques e clima...
^^
Abraço apertado (pra diminuir o frio)

Clóvis Struchel disse...

Muito interessante e necessário este fio de reflexão que paira após os teus escritos...

Ainda bem que eu sou poeta, ainda bem que estou gravando as minhas canções, e ainda bem que - ao menos - alguma minúcia de mim restará no tempo, ressoando sentidos que farão esse ou aquele pensar ao menos por uns instantes em caminhos mais lúdicos e belos.


O que resta de nós são as sutilezas, essas pairam no tempo, é o detalhe deixado num canto de página escondido atrás dos casacos no armário velho que se eterniza, o resto são superficialidades que se deterioram junto ao tempo e às vezes até morrem antes de nós mesmos.




Meu beijo.

Pedro Pan disse...

, fazer pensar. emocionar. deve sempre e tudo a sensibilidade que é característica.... tua...
, boas vindas.
, beijos meus.

Kátia Barros disse...

oi tudo bem? Vi seu blog e gostaria de saber se posso linkar no meu.

obrigado

Kátia