quarta-feira, abril 26, 2006

just do it...

eu invejo a tristeza comedida
a beleza quase deprimente do terror, a mentira
que me salta e ferve a carne molhada das lágrimas
que escorre pelos becos da nostalgia que desprezo.

eu invejo os olhos tristes que escapam
pelos cílios que piscam pelos retrovisores nesse sábado
onde todos ainda choram
o ponteiro atrasado do relógio antigo

porque eu, que sempre descarto o jogo das ruas em multidão,
que rasgo sorrisos aos passantes
(escondo a melancolia dos dias cinzas)


e invejo
irremediavelmente
a tristeza das árvores sem vento
a medida exata
da tristeza sem saída, porta de emergência





(escutando os poemas de hilda... sou invadida por uma dessas feras que só acordam nas madrugadas e saem por aí. hilda é bicho selvagem, suas palavras nunca serão domadas... e eu queria um pouquinho dessa coragem para continuar escrevendo. o responsável por esse momento: zema ribeiro)

quinta-feira, abril 20, 2006


ouvindo nocturne, do haden

são apenas alguns dias em que tudo que estiver por perto
não estará tão mais perto que teu sorriso adormecido ao meu lado
e eu ousarei agarrá-lo para que se congele esse riso-sem-querer,
porque eis que no inverno todas as flores se desabrocharão com o raio de luz que escapa dos teus olhos,
o mar-lilás que busco todos os instantes em que não estás tão perto como a chuva que me molha
os olhos que te procuram pelo mar-lilás
tateando a boca ainda não tocada pelo adormecido / anunciando o amante que haverá o
dia de descobrir o que há pelo teu corpo que ainda não foi
decifrado
escutando por dentro a melodia que afaga as borboletas que estarão em volta
aos rodopios que darei quando estiver bem perto...


(e estaremos mergulhados na doçura de todos os pensamentos que traçamos antes de estar mais perto)

***
ao tatu que tanto me ensina... tenho pensando no quanto já aprendi com ele, quase sem querer. a maior de todas as lições é que tudo é possível... e eu o amo da maneira mais impossível que poderia imaginar. o poema é para ele e dele. e eu acho que tu não comentares no blog, para não marcar território, é bobagem...

quarta-feira, abril 19, 2006

Gilda


eu desisti de fazê-lo entender que eu não queria fazê-lo compreender o que se passava. enquanto eu ia andando bailarinamente pela rua, ouvia os cães latirem anunciando minha passagem. foi difícil o diálogo e difícil era a lua que espiava a minha noite, um incômodo e a síndrome da árvore parada que não era mais verde e nem era outono. a multidão do dia se dissipava em cada rasa sombra e eu sentia o vazio dos corpos em chama, dos corpos cansados, dos corpos bêbados. debatia-me com as pessoas imaginárias, flâneur que não observa, mercadoria dos tempos modernos que confere o desaparecimento de um classicismo que será lembrado assustadoramente pelos que virão. eu lembrava nosso diálogo, enquanto ria do rua vazia - ajeitando o cabelo com o charme antigo de rita hayworth, pensando nele me olhando. ele sabia, ele sabia que eu não queria que comentassem o meu desejo de ser a rita hayworth.
ri sozinha. senti a leveza de um quarto vazio, um aquário cheio e as lembranças de uma discussão fingida (sempre fingimos quando discutimos), só para enganar o tédio, só para a noite passar mais rápido, ligeira escuridão. ainda andando bailarinamente, escondi a foto dela, tropecei metirosamente na calçada e adormeci como os nauseabúndicos; uma vontade de ver a gilda na sargeta...
***
tentei colocar uns links, mas minha incapacidade digital está dominando tudo. então, vai na postagem mesmo:
O primeiro link é de uma poeta argentina, a Alejandra Pizarnik, meu grande achado e talvez uma das leituras mais viscerais desses meus tempos. Descobri numa dessas jogadas de sorte no pôquer, onde havia apostado tudo. Não preciso dizer que encontro uma identificação dilacerante nas linhas dela...
O segundo link é do meu querido Cortázar. É engraçado e pode ser louco ouvir algumas narrações do próprio. Aliás, escrevi um poema ao Júlio (claro, é Júlio mesmo, o fato de dormir ao lado dele já me dá intimidade suficiente para isso) e à Carol Dunlop. Depois, depois de pensar muito, acho que será a próxima postagem.
Quanto ao desabafo anterior, só um comentário: gosto dos anônimos.

terça-feira, abril 18, 2006

Sincronia

18 de abril de 1965, Buenos Aires
No escribo más este diario de una manera continuada. Tengo miedo. Todo en mí se desmorona. No quiero luchar, no tengo contra quién luchar. Todo esto es tan viejo, tan cansado. Ojalá pudiera no mentir nunca.
(Alejandra Pizarnik)
18 de abril de 2006, São Luís
Às vezes acho que sou displicente com este blog. Tenho medo desses meios digitais, tenho medo de quem está lendo tudo isso. Não tenho contra quem lutar, meus inimigos são todos virtuais... Tudo isso é tão novo e essa angústia me dá sono. Quisera eu não sofrer nunca.
(Eu mesma)

quinta-feira, abril 06, 2006

Som over

Depois de um sôfrego dia, a bailarina esconde as sapatilhas e o espartilho na gaveta, como quem esconde um revólver ou um material erótico. Uma fuga sem razão, ilícita e desprovida de desejo. Ela fecha meticulosamente o compartimento, coloca Miles Davis na vitrola, dança em frente ao espelho que reflete um tímido olhar e pensa que a loucura é companheira da angústia. São 10 anos de solidão e a bailarina dança lançando olhares para ela mesma onde se encontra a multidão de uma platéia silenciosa. Olha o relógio e pega o primeiro livro de poemas, uma escritora qualquer que nem sabia pronunciar o nome. Lê a página 256 e ri desgraçadamente por não saber o motivo do riso.

dose medida pela
idas da noite
vigia de mim mesma
sobre a testa estampada o
desespero de uma tela
era munch
e seu segredo
manchado sobre o vestido
nos idos de um tempo
sem nuvens
céu claro
que não sabia
a maresia
e escondia debaixo do colchão
som overdose
de angústia


Fecha o livro e imagina a fantasia do próximo espetáculo para ninguém...

terça-feira, abril 04, 2006

Ao passante

"Pessoas pertencidas de abandono me comovem: tanto quanto as soberbas coisas ínfimas" (Manoel de Barros)
levantei sob o susto da presença fantasmagórica do chinelo dele rondando a casa. eu que mantive todo o chão limpo, sagrado ofício, para as pisadas cortantes e terrivelmente macias dos pés incautos . há o que fazer! ouvi gritos. os pesadelos constantes em uma tarde chuvosa, enquanto ouço passos seguidos de uma respiração cansada e entediante - um ritmo e um verso em branco que não foi lido nos saraus das noites sem vinho. permaneci atenta ao silêncio que emudecia, que soprava medos e suscitava alucinações. continuava com as pegadas dadas pela sala, enquanto eu solfejava uma canção sem o ritmo do silêncio. eram 3h da manhã, nem havia limpado os cômodos, mas os pés teimavam em sapatear na minha memória, conferindo ao passante a materialidade que os assombros parecem ter. distração com uma foto em preto e branco vestido era o que eu usava enquanto sorria timidamente ao meu observador. mais uma vez, tomava a penúltima xícara de café da noite e olhava pela janela os passos dos que já foram e continuam seguindo. parei de solfejar, coloquei calculadamente a xícara sobre a TV que chiava, calcei os sapatos que ganhei do homem que pisava o chão limpo com meu tédio e saí procurando, pela noite, as pisadas que escutara durante toda a vida. porque o meu, esses dons que crescem em árvores, era esperar contar os passos até o sono apossar-se do corpo e o sonho compreender a despalavra.

segunda-feira, abril 03, 2006

O ano passado

incidentalmente, ouvi pierrô apaixonado, noel nos dias de confete

ferida
meu calo que não silencia
esse pesado pé putrefado
que desanda


(pelo carnaval passado, onde desfilava meus pés nus sobre o caco da avenida tingida de sangue)