terça-feira, maio 16, 2006

Poema ao homem do meu tempo

tão rápido
quanto o nascer do sol
ele guarda
os tons -
vermelho-púrpura-carmim
os sons das cores que brotam -
efêmeros sob a pálpebra
***
tudo resulta de um súbito e instantâneo
meditar sobre a cordas
um suave e ligeiro desconcerto
de mãos que calam enquanto
ele estrangeiro do meu corpo, lasciva
fêmea ante os desejos do cio
***
esse clarão calado que dura
minutos em mim
possui a beleza dos dias claros,
a sofreguidão das noites (cujas gotas da chuva escapam da caça dos telhados)
a delicadeza de um vibrato ostensivo e interno
e entranhas:
***
como se fosses nascer tu em mim
tu nascendo do ventre colorido
e descobres, amor,
a matéria viva
essa carne em sentidos, o girassol
se pondo.
***
(recolho-me para enxergar a melodia do sono, tão harmonioso quanto a ação anterior. ele, exausto do movimento de nascer o prazer escondido, ri - quase imperceptivelmente)

sábado, maio 13, 2006

dias assim

sempre acreditei em vida após a morte, papai noel com saco vermelho cheio de prendas, coelhinho da páscoa com cenoura em punho, no diabo do fime do glauber rocha, em astronautas que visitam a lua (Viva os EUA!), em poemas psicografados, em ovo light, no Bush, no Osama, no PT (conseqüentemente no Fome Zero), em palavras que vêm por e-mail, em amores impossíveis, nessas propagandas que vendem produto para emagrecer, na Rede Globo (especialmente na Mirante), nos meninos que carregam fotos de pessoas doentes nos ônibus, no meu pai como herói de revista em quadrinhos, em beijo de novela, na disponibilidade dos políticos, em compras muitos fáceis e sem juros, em fotos que são bonitas (mas todos garantem não depender do Photoshop), nos risos no canto da boca, nas mãos nervosas que tentam convencer, nas pessoas prestativas que nada exigem em troca, nas ruas cheias de transeuntes que passam sem nada querer, na chuva que não é a culpada pela gripe, na praia não poluída, na gasolina não adulterada, na morte da bezerra, no "vai ver se eu tô lá na esquina"...
não acredito em mais nada, diz ele, pesando a cabeça e curvando-a - com uma vermelhidão na face -, envergonhado de não ter mais referência, nenhum motivo para continuar andando não tenho mais nada, grita. bebe mais um copo de cerveja, assiste o jornal e vê a heloísa helena; talvez ainda tenha opções, não deseja acabar no niilismo dos poetas que não escrevem mais. a vida é dura e eu nem comprei minha camiseta, muito nacional, para a copa...
***
esses dias descobri que tatus escrevem. posso provar: www.chacarerablues.blogspot.com
e eu fiquei muito orgulhosa disso...

sexta-feira, maio 12, 2006

Reconhecimento

Gustav Klimt: Hygiei
há palavras que não me conhecem
alguns desses barulhos
que semeiam, também não me conhecem

nem a doçura
nem timidez dos olhos curvados

todas essas formas, desde as circulares
essas mesmas formas não me apetecem
nem a fumaça do teu hollywood, cujo espirro expulsa teus indícios em mim
nem o vestido rude que uso
nada não me percebe

apenas a vontade de reter a lágrima
a lágrima cilíndrica e turva
talvez essa lágrima
apenas ela

de todas as coisas que existem
conheça minha palavra, a única não dita.

http://www.expo-klimt.com

site do Klimt... bom ver todos os sonhos dele por lá.






quarta-feira, maio 10, 2006

a dança dos dedos

excerto do diário, póstumo
alguns segredos, caro ouvinte, não se guardam em caixinhas de sapato. sim, aqueles mesmos pares que usei no fatídico dia em que subtraía a tua onipresença tomando o licor que detestava. participei da mesmice festiva com um vã entusiasmo só para reter teus olhos que nem estavam lá. caminhei na ponta dos dedos, sobressaltada com os ruídos que minha barriga fazia no imenso saloon, no instante que pensava que chegar ao consenso nunca será possível, porque meus instintos sombrios me obrigam a desejar que cesse a dor da tua presença petrificante que congelo em minhas pequeníssimas mãos que decorei com as cores hortelã dos dias claros.
esses segredos, amado, mostram-se como a fulgaz sombra distante da vela, aumentando o tamanho e tornando-a translúcida. essas magias secretas que guardam as mulheres são as páginas amareladas e ruídas que não podem constituir-se jamais. penso, sobretudo, que caminhar na ponta dos dedos exercita a fragilidade dos contos obscenos que guardamos. eis que os desejos impublicáveis nunca serão transformados em um roteiro discutido numa mesa de bar. minha indiferença, tu conheces. não ouso pronunciar a tímida referência dos meus sonhos não-cristãos.
querido, só um apelo: mulheres carregam dores e sombras. sóis nos dias nublados, como essa tarde em que colho flores e passeio com teu coração em mãos, geladas pelo frio que guardo. não queiras desvendar as necessidades que não se esgotam numa noite, cujos gemidos serão ouvidos pelos mestres tântricos do nosso livro na estante. são as maresias de instabilidade que correm nos olhos, essa tentação de voar - são os pensamentos que nunca serão escritos, pequeno, são as doses de insanidade que toda mulher esconde sob as unhas rubras.
descubra o tempo da colheita. descubra e vá. deixe-me quando souber que a satisfação consiste no segredo, o segredo que a boca não falará, essa boca que beija e esconde.

sábado, maio 06, 2006

Blue

escuto joni mitchell, como se estivesse escutando sempre
ainda acho que ele é mais encantador com a boca
fechada e com o sol entre os lábios que insistem em acompanhar os olhos que balbuciam a antiga canção
dos ventos alheios ao que ele
fala
(gosto de vê-lo gritar com a boca cerrada)

sexta-feira, maio 05, 2006

Sôfrego poeta

foge enquanto há tempo

por essa rua vai tropeçando sobre as latas
e foge da angústia desvairada

que comerá tua
córnea e o que houver da
alma comestível

e restará a dúvida a
sete palmos
a dúvida sempre consumida em dentes cerrados

minhas palmas para quem nunca falou
o que não devia


(minha fase, digamos, augusto dos anjos... que nada, foi um sonho, um roteiro ou algo de comer, quase uma receita)