sexta-feira, dezembro 30, 2005

Miró, mira meu sono


“O sonho não pode ser também aplicado à solução das questões fundamentais da vida?”
Manifesto do Surrealismo, André Breton
Atrás do som
sonho

dormir entre o vento nu
bambuzal

desfolhado que esconde
a fresta

do meu silêncio (sinos e sins, longe, onde adormeci)

mudo
sonho

a/cor/dado
para ver

as palavras escritas ao
ré-dor
da

(real
mente)
Vi uma exposição de gravuras do Miró em Porto Alegre. Eram bem parecidas com as reproduções que eu tinha no teto do meu quarto (claro, são reproduções, são iguais...). Contrariando Walter Benjamin, eu senti a mesma emoção ao ver os originais, a mesma emoção com a qual via as gravuras colodas no meu teto, rindo todas as vezes para mim, velando meu sono. Na exposição, por alguns poucos instantes, eu vi a familiar lembrança dos sonhos que nunca querem dissipar-se... Sou feliz dormindo! E viva o surreal!

domingo, dezembro 25, 2005

Fio a fio

Duración media del llanto, tres minutos. (Cortázar)


não tardou para o amor
dissolver-se
eu já o via,
fio a fio
meu amor por um fio

e não adiantava tecer o vento
e soprá-lo em nossa direção
pois a corda bamba
não derruba
só enforca
e ao livrar-me dessa nostalgia
temo
amor-te

sábado, dezembro 24, 2005

Besouro zepelin



poderia eu voar?,
meu besouro zepelin
e se o céu fosse tão alto quanto o azul que desponta
no teu nariz
olhando o céu bem alto
e quem não olha o céu (?)

eu via
tua testa franzir enquanto tu olhavas o azul-alto
mas eu não via as nuvens branquinhas
ficava olhando teu olhar sobre o céu
que era azul como teu olho
olhando eu voar
sobre a tua testa franzida

nem percebi que eu poderia voar, besouro zepelin
eu já era tão azul quanto o azul bem azul lá do alto
e nem olhava que voava:

só via teu olho bem colorido de azul olhando o céu
que era bem alto
só para te ver franzindo
a testa


escrevi esse poema há uns bons anos atrás... nem saberia mensurar! está aqui, minha idade de ouro, feito corda que pulava nas tardes com sol no equador!

terça-feira, dezembro 13, 2005

Poema presente

Albas a Terpsícore*
a janaína campos lobo, humildemente
Vinícius Bezerra

rente a

sua verve
sua práxis
me desfaço
em contentamento
quando deslaço
os nós dos
sapatos do tempo
cativante mais se
torna seu encanto
a seiva dos teus campos
ceifa as agruras da terra
calçadas as sandálias
de guerra
o peito é todo rasgamento
ó iemanjá
a ti entoamos cantos do alvorecer
e canções de silêncio
há mar janaína
[dois pontos]
com uma alavanca em punho
nós movemos o mundo
em meio
ao jardim de asfaltos
brota
uma violeta
de outono


*albas=cantos do alvorecer
terpsícore=musa protetora da dança da poesia lírica e do canto; mãe das sereias


(Surpreendente! Recebi esse poema do Vini, meu doce Vini, como se fossem flores... Gostei como gosto do aroma. Um beijo saudade, queria ser mais presente, queria te dar mais abraços. Tuas palavras sempre me convidam a um passeio pelo desconhecido.)

quinta-feira, dezembro 01, 2005

belém além de qualquer desejo...

19h30...
eu pedia miles davis, sabia que a noite guardava pat metheny
pelas ruas escuras, nada procuro, não encontro

(há uma diferença no caminhar quando não se procura nada)

se todos adivinhassem o som do rio
o gosto do jambu
o chocolate ofertado...

(caminhar pela cidade antiga era apenas um deleite)

o café imaginário e os risos
caipiras

sincronia de passos, mergulho na sombra, pensamentos
incrivelmente sou diferente
não mudei nada!

passa o tempo com o passo ligeiro
na caminhada
que nem faz caminho...

(já era 4h da manhã e eu nem havia percebido)


isso não é poesia, apenas um relato. não quero esquecer o que fiz...

sexta-feira, novembro 18, 2005

Mais um...


Vou voltar a desenhar... Minha decisão foi balizada pelo vento.
Eu escuto-o e sigo
movida
pelo movimento
do vento
que move
idas...

quinta-feira, novembro 17, 2005

Herzog e o cotidiano


Essa é a minha tentativa de desenhar, quase uma terapia. O personagem foi inspirado no meu urso (hum, não sabia desenhar ursos... há bem pouco tempo só sabia fazer cobras que comiam elefantes, como Exupéry). Na verdade, se o Herzog falasse, ele diria tudo isso. Ele já está velhiho e algumas partes já se foram. Mas o que faz dele o meu bichinho preferido não se vai com o tempo. Mesmo que só reste um olho, ele continuará sendo o Herzog... Há uma essência nele, sabor de infância.

quarta-feira, novembro 16, 2005

dia nor(mal)

eu tenho andado nas nuvens. com mais frequência que antes (mas eu nunca mensurei as escapadas do real). ócio e falta de concentração. escuto pink floyd e acho que estou desacelerando. que porra de falta de ar. continuo olhando as telas do modigliani pela tela do computador.

queria ser astronauta. queria ter escrito história de minhas putas tristes. e a porra do curso de fotografia só começa na próxima semana. tenho conversado comigo, não chego a conclusão alguma e não tenho feito poemas. mas eu já fiz algum dia? quando encontro uma verdade, as outras são mentiras.

antes do sono chegar eu penso no que poderia fazer. acordo e já me encontro na mesma de antes. quero sumir desse corpo, desse eu que não sou, encontrar um sentido e buscar a merda da concentração para terminar de ler o livro do garcia.

não sou erudita e nem quero ser. quero ouvir o barulho das nuvens e só. só!

modigliani. uma mulher. não estavam nuas, mas despidas. isso faz toda diferença.
é para olhar ouvindo miles davis...

um post sem poesia. existem coisas que me deixam felizes. às vezes as palavras não dizem nada. caminhar na praia sem pressa, rir e chorar sem se preocupar com a hora. sem palavras!

domingo, outubro 30, 2005

entre imagens e sentidos



Amor ao meio-dia
O sol
no pau
a pique.
A sombra
da vulva telha vã
(Marina Colasanti)

Três estrelas sob o sol da tua boca
noite sob o infernal desejo
da tua boa
boca lasciva
ia-se ao desejo da noite
que se esmera na insanidade
dia-noite
sem a hora dos amantes

(Van Gogh, Starry Night)


sábado, outubro 29, 2005

com o gosto de sal

Havia alguns dias que queria escrever uma carta. Entre as cansativas burocracias de dias normais em branco, a tarefa prazerosa diluia e reduzia-se ao pó da vontade. As horas caminhavam diariamente e a minha idéia de escrever a carta tornou-se ainda mais incômoda. Queria dedicar o tempo necessário para escrever e não conseguia... ficava angustiada.

Havia 1 ano que estivera na linda Olinda e havia 1 ano que decidira mudar a rota. 1 ano que descobri que havia a antropologia do onírico, que conheci Maffesoli e 1 ano que não sabia se caberia no restante.

Exatamente 1 ano depois, eu escutava a mesma música à beira-mar*, lembrando dos sambas da terça negra, das idas e vindas e da pergunta que não sabia responder, porque nunca havia me perguntado.

Eu a via... Foi o que ele me disse! As lágrimas-oceano, azul cortante que o sal estanca...


* Linda Juventude, 14 Bis

terça-feira, outubro 18, 2005

Domingo

o sangue coagulado
não havia absinto e nem charutos

spleen e lápis e água

ouvi chico e djavan até descobrir que leminski me esperava.

Ai, amor, miragem minha, minha linha do horizonte, é monte atrás de monte, émonte, a fonte nunca mais que secaAi, saudade, inda sou moço, aquele poço não tem fundo, é um mundo e dentroum mundo e dentro um mundo e dentro é um mundo que me leva

Contramão

A hora é do vento
(cassiano ricardo)
são caminhos que não
cruzam
são dois caminhos que são
paralelos
não amarelos, porém azuis
são as estradas que não admitem passeios
são/eram
erram os caminhos
eram dois caminhos que não aceitam passistas
amei o caminho simplesmente
por saber
o sabor
de não poder retonar
Escutava Lô Borges... Lembrei dos caminhos por onde passei e os que ainda não pisei. Deu saudade do vento e da estrada percorrida uma única vez!

sábado, setembro 24, 2005

Bamba

Música Incidental: Rosa Amarela
Poema meu, incidentalmente do Chacal

e nesses dias de carnaval
faço um cordão
enfeito a avenida

tu que vi
dros

lançados ao chão
faço caco-confete e
faço dança
e dos meus pés sangrando

sambo o carmesin
pinto o asfalto

sou ausência
nem faço falta
fim do jogo

quinta-feira, setembro 15, 2005

Part ida

Depois do ré bemol
A varinha de condão findou
Na corda ----- b a m b a
E eu senti[nela]


Uma noite inteira aos pedaços

sábado, setembro 10, 2005

Três noites de lua cheia de mim

Passou no espaço azul uma fugaz dança
(Eugenio Montale)


Já caminhava há umas três horas, dúvida no passo e cada passo resolvendo o consenso que nem queria chegar. Saudade das três horas andando, já havia parado só para chegar perto do consenso que não queria, enquanto caminhava não havia certeza, porque se caminhava é porque tinha dúvidas para onde ir. Descobri que não tomei a ambrosia, mas isso não impediu que a minha forma humana se consumasse. Pensei por três horas que o movimento das sereias era mais belo há três anos e ainda tive vontade de chorar porque nem sequer lembrava o que meu pai falava sobre as sereias, que eu achava que era o mesmo que cereais na manhã ensolarada. Já sei, hoje, três horas passadas, que a vida perto do equador é mais saudade. Não lembrei que a fragilidade pode ser disfarçada, recordei isso apenas três horas depois e já estava em casa, comendo os últimos três pedaços de chocolate e pensando no movimento das sereias/cereais na manhã com o sol do equador.

não bebi a ambrosia
S(em) saudade
Não sou eterna
Já sinto falta de mim

Depois, vi que escrevia apenas para matar saudade e terminar os últimos goles de vinho que descansavam na garrafa. Nem queria que o relógio anunciasse as três horas não dormidas da manhã ainda sem sol no equador. Descobri que viver no trópico aumenta a saudade que até três meses não conhecia. É entretenimento tentar desvendar em que Estado me encontro.

passo que traz saudade
não passa
na estrada dianteira
meu passatempo
Passa a tempo, bem ligeiro

Descobri nesses três últimos minutos que a razão está no silêncio e que infância não se acaba nas cantigas de roda; - e nem mesmo as nuvens são siglas que desejam ser decifradas. (Tu)do que é obscuro tende a ser clareado.




(quem vai ter coragem de ler tudo isso??? assino: janaina, meio blues)

quinta-feira, setembro 01, 2005

# Por dois dias #

Teço meu desejo
Por entre teu
::Sonho::
Seio descoberto
Incendiando tinta azul
Do meu canal
Fora do ar



sem comentários... um mar e o pé tateando a areia quente pelo sol! são as intruções para chorar, do cortázar!

domingo, agosto 07, 2005

Tradução

À sombra das neuroses
Peregrinando de mar em mar
Em busca da onomatopéia cintilante

Apenas monossílabos pronunciei
Somente frio pude sentir
Encarcerada pelas asas da borboleta
que volta e meia voltava aqui
para cheirar o cangote da rosa
e sussurrar aos ouvidos do cravo

E nem mesmo a estrela vadia,
Aquela que evaporou do telhado
Só porque viu o sol brilhar,
Terminou de pintar com sua aquarela

Aqui, neste submundo desnutrido e torto,
Onde a cor e o perfume das adversidades
Deixam as bailarinas tontas
Até a erudição do bem-te-vi
Voou pela janela
Porque ele não traduziu o amor
e ninguém falará por ele.


(Pedi um poema à Manú. Recebi essas linhas, que são as favoritas dela e fiquei feliz por um instante eterno. A Manu, minha querida tatuzi Pagu, foi o grande achado... Ela, que tanto se parece comigo, guarda no fundo do olhar a nossa paixão pela vida e por tudo que ainda vamos conhecer. Dá vontade de pegar estrada e ir on the road... Temos guardado risos e lágrimas para as nossas futuras descobertas. Um beijo, não precisa dizer que tudo que fazes tem ressonância em mim. Janaína Tarsila Lobo)

sexta-feira, agosto 05, 2005

Indecisão

passei três dias escolhendo
o sol, escolhendo meu riso

entre as três borboletas que estão em mim
sou casulo até decidir

e se a estrada tem ramos
faz-se árvore e vivo
passeando em mim sem saber
opto por emudecer. quisera o silêncio - meu estimulante
falo enquanto ouço
silêncio meu em mim

árvore e vento


(publico este poema por algumas razões... eu procurava poemas para o zine e me deparei com esse. eu havia escrito exatamente no dia 28.10.2004, no verso da minha passagem para Recife. estava com os delírios do personagem Ulisses, de james joyce na cabeça. a razão de publicar no blog é, na verdade, sem razão aparente)

terça-feira, agosto 02, 2005

Para Ricardo Netto, o tatu que me ensina como ir

Que olhas ao longe?,
Imagino
Teu traçado,
Pinto e desmancho
Monge pelo asfalto
Assalto na manhã
(não saí de casa)

estou aqui e não partirei
não partirei
não part
rei

terça-feira, julho 19, 2005

para l ela

"diz farsa a cilada

do suave happy end
tua boca viciada
ressucitando a flor
a b e r t a

(mas era outono)

sendo
um frágil instante

não nego
a façanha:
teu olho maldito
dissuadindo

meu peito
flor murcha

(já era, inverno)"

segunda-feira, julho 18, 2005

da canção do capiba

ciranda
eu vi uma flor que gira
girava como uma roda gigante flor-colorida
e o vento que batia na flor girante e cíclica
trazia o cheiro das flores coloridas e paradas
da minha infância

eis que a flor colorida
que girava feito ciranda
colorida, vaga-lume e passista
girava e batia asas, borboleta gigante

eu vi a flor girando colorida
meu olho girou ao ver girando
ciranda colorida
eu dancei

domingo, julho 17, 2005

ODE AO AMOR SEM RAZÃO - das páginas em branco de 2004

1º Movimento, Allegro
Ao menino do dedo verde, a minha velha canção rock n´roll

Duas horas falando. Garganta e vontade de ouvir suturados pelo raio carmesim do sol. Nem adiantava ver o mar, nem adiantava reler nosso poema, nem adiantava olhar calmamente o olho de quem não quer ver. Saí quase dançando sobre tua tumba, viúva sem saber porque, acreditando que a morte iria me fazer rir. Ausência e dor de cabeça como se não tivesse dormido durante toda a noite, contigo
Sem ponto
Solta a minha mão que eu quero voar

Adágio terno e patético – 2º Movimento
Era verde e o meu mês não era junho. Já sabia que ele desceria a escadaria e eu estaria lá, como todas as tardes, olhando o nosso ovo frito ao longe e com o sublime vinho que me faria passar mal com as risadas não abstêmias. O vinho é amargo e suaviza no terceiro copo, que não é mais vinho, mas verde. Lembrei do meu choro na noite anterior, que me lembrou o riso que daria após meu terceiro copo verde. João e Maria dançando no escuro, um lençol sujo de tinta e costurado com o azul que sonhamos. Uma remenda, um pesadelo e o rádio AM que chiava. Digressão na escadaria. Ele não desceu e o vinho já estava verde. Verde e eu nem me dera conta que uvas não amadurecem na garrafa.